A relação entre o hábito alimentar, o envelhecimento cognitivo e as doenças neurodegenerativas vem sendo pesquisadas, com um enorme potencial para promover e maximizar a função cognitiva residual e, de fato, melhorar a qualidade de vida de idosos. Vários nutrientes são importantes para o funcionamento adequado do cérebro e podem ser considerados protetores em relação à DA, como os ácidos graxos insaturados, os antioxidantes, as vitaminas, os minerais, além do consumo de álcool moderado.
Novos estudos têm procurado investigar não só a ação dos nutrientes de forma isolada, mas a composição dos padrões dietéticos da população dos diversos países, e a relação com a preservação da cognição. A importância de padrões alimentares, como a Dieta Mediterrânea (DM), também é reconhecida. Evidências sugerem que a adesão à DM pode amenizar processos patológicos associados ao declínio cognitivo. Reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, é caracterizada por um alto consumo de alimentos de origem vegetal, uma alta ingestão de azeite de oliva como principal fonte de gordura, ingestão moderada de peixes, baixa a moderada ingestão de produtos lácteos, baixo consumo de carnes e aves e com consumo de vinho em quantidades baixas a moderadas durante as refeições.
O consumo alimentar (por exemplo, na adoção de padrões dietéticos como a DM) deve conter uma variedade de vitaminas com efeito antioxidante que desempenham um papel vital na neuroproteção em uma variedade de distúrbios neurológicos. Duas substâncias antioxidantes, o tirosol e o hidroxitirosol, encontradas em outro componente da DM, o azeite, também podem ser benéficas para a cognição. Estas substâncias seriam neuroprotetoras contra a toxicidade da β-amilóide, e poderiam, pelo menos parcialmente, explicar os benefícios da DM sobre a prevenção da DA. O consumo em maior quantidade de alguns alimentos como castanhas, nozes, amêndoas, peixes e legumes, e uma menor ingestão de produtos com alto teor de gordura, como produtos lácteos, carne vermelha, vísceras e manteiga, ou seja, um padrão semelhante à DM, diminuiu significativamente os riscos de uma pessoa desenvolver DA.
No Brasil, a DM não se encontra padronizada para a população. Como diretriz nacional, existe o Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde, cuja versão atualizada foi publicada em 2014, que recomenda, na composição de uma dieta saudável, o consumo preferencial de alimentos in natura ou minimamente processados, em vez de produtos alimentícios ultraprocessados. Pelo adequado perfil de nutrientes, baixa densidade energética e pela forma em que se inserem na dieta em combinação com outros alimentos compondo preparações culinárias e refeições adequadas e saudáveis, alguns grupos de alimentos, tais como frutas e hortaliças, feijões e peixe (itens encontrados na composição da DM), são reconhecidos como marcadores de um padrão saudável de dieta, e têm sido investigados em inquéritos populacionais que agregam informação sobre alimentação.
Assim, conhecendo os benefícios da DM e o hábito alimentar do brasileiro é possível sugerir que novos estudos sejam desenvolvidos para verificar se a incorporação dos alimentos que compõem a dieta em questão favorece a preservação cognitiva dos indivíduos. É importante reforçar que alguns alimentos sugeridos pela DM já fazem parte da dieta do brasileiro (peixes, legumes, frutas, azeite), desta forma, é possível estudar se ocorrem benefícios advindos desta alimentação. A DM também envolve mudanças do estilo de vida, favorecendo caminhadas diárias, atenuação do estresse e refeições com a família. Além da cognição, ela vem sendo considerada como uma estratégia excelente para a perda de peso, redução de parâmetros de saúde como glicose, colesterol e hipertensão.
O declínio cognitivo é um grande desafio à saúde pública mundial e este desafio será ainda maior com o envelhecimento da população mundial. Dada a falta de tratamento farmacêutico eficaz para tipos comuns de demência, incluindo a DA, existe um interesse crescente na realização de pesquisas sobre modificações de estilo de vida, incluindo o hábito alimentar, que poderiam impedir, adiar ou desacelerar a progressão do declínio cognitivo. Entre os vários padrões alimentares que vêm sendo testados, quanto aos seus efeitos sobre a cognição, a DM tem mostrado resultados promissores.
A literatura internacional tem mostrado associações positivas entre manter um padrão de consumo alimentar saudável e melhor desempenho cognitivo. No entanto, estes estudos foram conduzidos em países de alta renda. Considerando que o hábito alimentar das pessoas sobre forte influência de fatores socioculturais e econômicos é importante que estudos sobre o padrão alimentar e cognição sejam conduzidos uma maior diversidade de países.
Silvia Regina Borgheresi Calil
Nutricionista pelo Centro Universitário de São Camilo. Gastróloga e Pedagoga pela Universidade Cruzeiro do Sul. Especialista em Terapia Nutricional e Nutrição Clínica pelo Ganep. Especialista em Nutrição Clínica pela ASBRAN. Mestre – Departamento de Nutrição - Faculdade de Saúde Pública – USP. Doutora – Departamento de Neurologia - Faculdade de Medicina – USP. Nutricionista do Instituto Paulista de Geriatria e Gerontologia José Ermírio de Moraes. Docente da Universidade Nove de Julho e Universidade Anhanguera.
Thaís Bento Lima da Silva
Docente do curso de Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), Coordenadora do curso de pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É assessora científica e consultora do Método Supera. Membro do GRAz (Grupo de Referência em Alzheimer) e colunista do Tudo sobre Alzheimer.
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