Antes de respondermos a pergunta que utilizamos como título deste artigo, é interessante investigarmos se realmente existe a relação entre queixas de memória e idosos. Para tanto, realizamos a pesquisa dessa associação no PUBMED (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/), um dos maiores sites de busca na área da saúde do mundo. Encontramos 3.583 (três mil e quinhentos e oitenta e três) artigos que abordam o tema, publicados de 1950 até os dias de hoje. Destes, 70% investigaram a relação entre queixas de memória e pessoas idosas.
Mas, afinal, por que há tanta queixa de memória entre os idosos? Segundo Lima-Silva e Yassuda (2009), pesquisadoras e docentes da Universidade São Paulo (USP), o envelhecimento normal se caracteriza por um declínio gradual em algumas funções cognitivas, como a memória. As queixas de memória são comuns entre os idosos podendo sinalizar depressão, ansiedade ou declínio cognitivo.
Complementando a resposta à questão levantada, Leonardo da Cruz e seu grupo de pesquisa (PEREIRA et al., 2021) realizaram um estudo com o título “Queixas de memória na atenção primária em um país de renda média: caracterização clínica e neuropsicológica”, documentando-se que as queixas cognitivas são frequentes entre os adultos mais velhos. Pois algumas funções cognitivas tendem a diminuir com a idade como a atenção e as funções executivas. Durante o envelhecimento normal, a memória episódica também pode ser afetada por déficits de codificação ou memória que dependem das funções executivas. De fato, velocidade de processamento em declínio, recursos de processamento reduzidos e controle cognitivo diminuído podem ser responsáveis por queixas de memória relacionadas à idade.
Outro fato interessante, segundo estudo publicado na Alzheimer’s & Dementia (VAN OIJEN et al., 2007), é que as queixas de memória podem estar associadas a um risco aumentado da doença de Alzheimer em pessoas com declínio cognitivo, bem como em pessoas com cognição normal, pois as queixas são comumente consideradas de menor importância do que medidas cognitivas objetivas. Especialmente em pessoas com alto nível de educação que ainda apresentam bom desempenho em testes cognitivos formais, as queixas subjetivas de memória podem ser um primeiro sinal importante da doença de Alzheimer iminente.
E o que dizem as revisões sistemáticas e meta-análises sobre a temática?
Em uma metanálise realizada pelo pesquisador Alex Mitchell (MITCHELL, 2008), membro do Departamento de Psiquiatria do General Hospital de Leicester, Reino Unido, concluiu-se que as queixas de memória parecem estar presente na minoria daqueles com comprometimento cognitivo leve e demência. Em contextos comunitários transversais, mesmo quando as pessoas concordam que têm queixas em relação à memória, há apenas 20% ou 30% de chance de que demência ou declínio cognitivo leve (DCL) estejam presentes, respectivamente. Apesar disso, a ausência de queixas pode ser um método razoável de exclusão de demência e DCL e pode ser incorporada em programas curtos de triagem.
Entretanto, seis anos após a metanálise apresentada anteriormente, Mitchell e colegas (MITCHELL et al., 2014) realizam uma nova metanálise e descobrem que idosos com queixas de memória subjetiva, mas sem queixas objetivas, têm duas vezes mais probabilidade de desenvolver demência do que indivíduos sem queixas de memória subjetiva. Aproximadamente 2,3% e 6,6% das pessoas idosas com queixas de memória subjetiva irão progredir para demência ou terão declínio cognitivo leve, por ano.
No estudo de revisão sistemática de Brigola e colaboradores (BRIGOLA, et al., 2015) é interessante destacar que os achados das buscas mostraram a associação entre queixas subjetivas de memória com a redução da qualidade de vida, prejuízo nas Atividades da Vida Diária (AVD), surgimento de sintomas neuropsiquiátricos e menor volume do hipocampo em idosos. Além disso, os estudos também destacam a depressão, a demência futura e o comprometimento cognitivo como os fatores mais frequentemente associados a essa queixa, que podem, posteriormente, evoluir para uma demência.
Em uma pesquisa de revisão sistemática de literatura, os autores objetivaram identificar as características dos indivíduos com queixas cognitivas subjetivas associadas ao risco de progressão de demência, em que se observou que esse risco possui uma maior probabilidade de abrigar um processo neurodegenerativo. Os resultados apontaram que indivíduos com 59 ou mais - considerados reclamantes ou queixosos de riscos cognitivos - possuem uma associação a um risco de 1,5 a 3 vezes maior de progressão para comprometimento cognitivo leve (CCL) ou demência (MENDONÇA et al., 2015).
Em um outro estudo, intitulado como “Autoconsciência na deficiência cognitiva leve: evidências quantitativas de revisão sistemática e meta-análise” de Piras e colegas (PIRAS et al., 2016), os achados sugerem que pacientes com comprometimento cognitivo leve têm consciência de seus déficits neuropsicológicos, e que o nível de consciência varia de acordo com o estado cognitivo em diversas habilidades cognitivas, tais como memória e linguagem. Além disso, dado o papel hierárquico da metacognição no funcionamento cognitivo, a consciência do treinamento do déficit nos estágios iniciais da deterioração cognitiva deve impulsionar e otimizar as abordagens clássicas de reabilitação cognitiva.
Por fim, a pesquisa de Roberts et al (2009) corroborou com os resultados do estudo antecessor em que os autores concluíram que há evidências entre o declínio cognitivo e o nível de consciência que, por sua vez, pode variar com o estado cognitivo. Dado isso, pode haver implicações para a progressão de demências, porém, há a necessidade de maiores investigações com a devida consideração dada à descrição da consciência e à metodologia aplicada (ROBERTS, et al., 200).
Em conclusão, é necessário salientar que as queixas cognitivas da pessoa idosa podem evoluir para um declínio cognitivo e até para uma progressão de demências. Alterações de humor, redução da qualidade de vida, preocupações excessivas com a saúde cognitiva e mental e fatores socioeconômicos são fatores de risco para a piora no quadro cognitivo e, consequentemente, nas habilidades de memória. Entretanto, há necessidade de maiores pesquisas e investigações na área para concluir a relação de sinalização de perdas cognitivas, de memória e progressão de demências, em especial, a Doença de Alzheimer.
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Referências Bibliográficas
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LIMA-SILVA, Thaís Bento; YASSUDA, Mônica Sanches. The relationship between memory complaints and age in normal aging. Dementia & Neuropsychologia, [S. l.], v. 3, p. 94–100, 2009. DOI: 10.1590/S1980-57642009DN30200005.
MENDONÇA, Marcelo D.; ALVES, Luísa; BUGALHO, Paulo. From Subjective Cognitive Complaints to Dementia: Who Is at Risk?: A Systematic Review. American Journal of Alzheimer’s Disease & Other Dementiasr, [S. l.], v. 31, n. 2, p. 105–114, 2016. DOI: 10.1177/1533317515592331. Disponível em: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1533317515592331. Acesso em: 18 out. 2021.
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PEREIRA, Marcos Leandro et al. Memory complaints at primary care in a middle-income country: clinical and neuropsychological characterization. Dementia & Neuropsychologia, [S. l.], v. 15, p. 88–97, 2021. DOI: 10.1590/1980-57642021dn15-010009.
PIRAS, Federica; PIRAS, Fabrizio; ORFEI, Maria Donata; CALTAGIRONE, Carlo; SPALLETTA, Gianfranco. Self-awareness in Mild Cognitive Impairment: Quantitative evidence from systematic review and meta-analysis. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, [S. l.], v. 61, p. 90–107, 2016. DOI: 10.1016/j.neubiorev.2015.10.002. Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0149763415002626. Acesso em: 18 out. 2021.
ROBERTS, J. L.; CLARE, L.; WOODS, R. T. Subjective Memory Complaints and Awareness of Memory Functioning in Mild Cognitive Impairment: A Systematic Review. Dementia and Geriatric Cognitive Disorders, [S. l.], v. 28, n. 2, p. 95–109, 2009. DOI: 10.1159/000234911. Disponível em: https://www.karger.com/Article/FullText/234911. Acesso em: 18 out. 2021.
VAN OIJEN, Marieke; DE JONG, Frank Jan; HOFMAN, Albert; KOUDSTAAL, Peter J.; BRETELER, Monique M. B. Subjective memory complaints, education, and risk of Alzheimer’s disease. Alzheimer’s & Dementia: The Journal of the Alzheimer’s Association, [S. l.], v. 3, n. 2, p. 92–97, 2007. DOI: 10.1016/j.jalz.2007.01.011.
Assinam este artigo
Tiago Nascimento Ordonez
Gerontólogo pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Estatística Aplicada pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Exerceu a função de Gerontólogo na Prefeitura de São Caetano do Sul entre os anos de 2014 a 2016. E esteve como coordenador do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFVI) da Prefeitura de Diadema entre 2017 e 2020. Atualmente é membro da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG).
Graciela Akina Ishibashi
Estudante de Graduação do curso de bacharelado em Gerontologia pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Realizou estágio no Centro Dia Bom Me Care entre os anos de 2019 a 2020. Atualmente faz estágio na área de pesquisa em treino cognitivo de longa duração pelo Instituto SUPERA - Ginástica para o Cérebro. Tem interesse na área de estimulação cognitiva com jogos. Já foi voluntária na Universidade Aberta à Terceira Idade da EACH-USP, atual USP60 + nas oficinas de origami, dança sênior e letramento digital.
Cássia Elisa Rossetto Verga
Estudante de Graduação do curso de bacharelado em Gerontologia pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Atualmente faz estágio na área de pesquisa em treino cognitivo de longa duração pelo Instituto SUPERA - Ginástica para o Cérebro. Tem interesse na área de treino e estimulação cognitiva para idosos, com enfoque em neurologia cognitiva. É membro da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Já foi bolsista PUB da Universidade Aberta à Terceira Idade da EACH-USP, atual USP60 + nas oficinas de música e letramento digital. Participou como assessora de Projetos e Recursos Humanos na Empresa Geronto Júnior entre os anos de 2019 a 2020.
Guilherme Alves da Silva
Estudante de Graduação do curso de bacharelado em Gerontologia pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Atualmente faz estágio na área de pesquisa em treino cognitivo de longa duração pelo Instituto SUPERA - Ginástica para o Cérebro. Tem interesse na área de treino de estimulação cognitiva, com foco na prevenção das funções cognição globais e no estudo da neurociência. Já foi voluntário na Universidade Aberta à Terceira Idade da EACH-USP, atual USP60 + nas oficinas de teatro, música e dança sênior. Ex-Diretor do Recursos Humanos (RH) da Empresa Júnior de Gerontologia e assessor em Marketing Digital(MD) entre os anos de 2019 a 2020. É membro da Liga de Gerontologia. É membro da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG).
Profa. Dra. Thais Bento Lima-Silva
Docente do curso de Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), Coordenadora do curso de pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É assessora científica e consultora do Método Supera.
(foto by Clément Falize on Unsplash)
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